Geógrafo e botânico condensou 10 anos de trabalho em um livro imprescindível para quem estuda, cultiva ou simplesmente admira esta planta. Segunda edição revisada e ampliada tem 476 páginas
Nascido na rua Clemente Rovere e acabado de crescer na rua Major Costa, área central de Florianópolis, Marcelo Vieira Nascimento se deparou, ainda criança, com um livreto sobre orquídeas numa livraria da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
Entre as ilustrações, havia uma flor bem parecida com as que via nas matas do Morro do Tico-Tico, região onde morava. Surgiu ali o interesse que o acompanharia por toda a vida.
Formado em geografia pela mesma universidade, entre as pós-graduações, cursou especialização em botânica de plantas ornamentais na Ufla (Universidade Federal de Lavras), em Minas Gerais.
Em 2019, ele lançou o livro “Orquídeas Nativas de Florianópolis”, resultado de oito anos de pesquisa e mais dois de preparação do impresso, que, agora, ganhou segunda edição revisada e ampliada.

Marcelo Vieira Nascimento é geógrafo com especialização em botânica de plantas ornamentais – Foto: Divulgação/ND
Teu interesse pela botânica surgiu quando tinhas 10 anos de idade. Como foi este episódio?
Sim, meu interesse por botânica e flores, mais especificamente por orquídeas. Realizando um trabalho “remunerado” para um cursinho pré-vestibular no campus da UFSC, entrei na livraria do Centro de Convivência e, olhando os livros, me deparei com um pequeno, “Orquídeas 430 Ilustrações a Cores”. Folheando o mesmo, vi uma ilustração de uma orquídea, que achei muito parecida com as que víamos nas matas do Morro da Tico-Tico. Comprei o livro (que tenho até hoje) e mais tarde descobri que aquela ilustração era da Laelia purpurata.
Quando tiveste o primeiro contato com as orquídeas?
O primeiro contato, efetivamente, com as orquídeas aconteceu na casa do Ribeirão da Ilha do professor Nereu do Vale Pereira. Ele tinha um orquidário a céu aberto com grande variedades de orquídeas de Florianópolis, principalmente a Laelia purpurata. Estava feita a ligação entre o livro da UFSC e a Laelia purpurata. O professor Nereu me deu as primeiras lições sobre o que é uma orquídea, suas características, sua morfologia e me ensinou a cultivá-las, tanto em vasos de barro, como em pedras e árvores.
Por que consideras a convivência na juventude com a família do professor e pesquisador Nereu do Vale Pereira uma mudança de vida?
Aos 14 anos, comecei a frequentar o movimento de juventude católico Pólen, da Catedral Metropolitana. Lá conheci os filhos do professor Nereu, e iniciamos uma amizade que perdura até hoje. Comecei a frequentar a casa deles praticamente todos os dias. Como vim de uma família muito simples, aquele contato foi preponderante na minha vida, pois estava frequentando um ambiente completamente diferente da minha realidade: a casa de um professor universitário e uma biblioteca imensa.
Nos finais de semana, o professor Nereu, junto com seus filhos e esposa, iam para a sua casa de praia, no Ribeirão da Ilha, que se tornou o Ecomuseu. Por convite dele, comecei também a ir quase “que sempre”. Lá, ele tinha um orquidário a céu aberto com muitas orquídeas, principalmente, a Laelia purpurata.
Por que pesquisar especificamente sobre as orquídeas?
Pela sua variedade dos gêneros e espécies (28.000), pela adaptação na natureza – podemos encontrar as terrestres, as epífitas (nas árvores) e rupestres (sobre pedras). Pelo seu colorido extremamente variável e pela forma da sua reprodução.
A ideia do livro “Orquídeas Nativas de Florianópolis” veio no decorrer da pesquisa ou os estudos já iniciaram com a intenção de organizar todo o conhecimento garimpado em uma publicação?
O livro era um sonho acalentado desde os meus primeiros contatos com essa flor, e, quando comecei a estudar na UFSC (sou bacharel em geografia), algumas disciplinas, como biogeografia, me levavam sempre às orquídeas. Como pesquisador, não seria raro pensar em produzir algo sobre elas.

Segunda edição do livro “Orquídeas Nativas de Florianópolis”, de Marcelo Vieira Nascimento, saiu em 2021 – Foto: Divulgação/ND
Quanto tempo de trabalho foi consumindo até sair a primeira edição, em 2019?
Temos que dividir o tempo em dois momentos. Foram oito anos estudando, pesquisando e realizando expedições de campo para conhecer a realidade sobre as orquídeas nativas existentes em Florianópolis. Nesses primeiros oito anos, descobri que somente 89 espécies orquídeas haviam sido citadas em referências bibliográficas. Mas, com os meus estudos, já alcançava mais de 150.
Em 2017, apresentei o projeto “Orquídeas Nativas de Florianópolis” junto à Lei Municipal de Incentivo à Cultura, cuja gestora é a Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes. O projeto foi aprovado e, após uma luta incansável, conseguimos os apoios financeiros necessários para terminar toda a pesquisa e fazer a impressão do livro, que foi lançado em 2019.
Portanto, podemos dizer que foram 10 anos de trabalho para chegarmos ao livro. Nos primeiros oito, todos os trabalhos eram realizados por mim. A partir da aprovação na Lei de Incentivo, criamos um equipe de oito pessoas que tiveram participação direta no livro.
Suspeitavas que o trabalho duraria tanto e resultaria num livro de mais de dois quilos?
Sim, pois todo trabalho de pesquisa e ciência tem um espaço de tempo não específico de duração, e acredito que, se continuarmos a pesquisar, possivelmente, mais orquídeas poderão ser encontradas. Quanto ao peso, sim, também imaginava que ele seria extenso e pesado, pois são 287 espécies de orquídeas.
Neste ano, saiu a edição revisada e atualizada. Que diferenças têm da anterior?
Realizamos uma segunda edição, em função da primeira estar esgotada e pelo sucesso do livro. Incluímos informações mais detalhadas de cerca de 12 gêneros e 38 espécies de orquídeas. Atualizamos o mapa das unidades de conservação em função da mudança de categoria do Parque Municipal da Lagoa do Peri.
Quantas espécies de orquídeas já foram descobertas/catalogadas em Florianópolis? É uma área privilegiada, comparando-se com outras regiões do Estado e do Brasil?
Em nossas pesquisas e o resultado do livro, para Florianópolis, temos hoje 97 gêneros, 285 espécies dois híbridos naturais. Destes, 135 espécies e os dois híbridos naturais são endêmicas do Brasil, e 95% delas são consideradas endêmicas da Mata Atlântica. Quarenta espécies foram registradas pela primeira vez em Florianópolis e sete em Santa Catarina. Apesar de estarmos no “Sul do mundo” e praticamente no final de uma série de ecossistemas florestais, com a Mata Atlântica, sim, somos uma área privilegiada em número de espécies.

Marcelo fez pesquisa de campo em todo o território de Florianópolis – Foto: Divulgação/ND
“Orquídeas Nativas de Florianópolis” recebeu algumas premiações.
Quando da sua realização, jamais imaginávamos que pudesse figurar como um livro que interessaria a tantas pessoas (fora do meio da orquideologia), mas, para nossa surpresa, ao longo de sua vida, ele já foi agraciado com três premiações:
-1º lugar pela Abigraf-SC (Associação Brasileira da Industria Gráfica de Santa Catarina), considerado o melhor produto gráfico do ano de 2019, na categoria livro ilustrado e livro técnico.
-Diploma especial de mérito 2019 pela ACL (Academia Catarinense de Letras).
-Prêmio General José Vieira da Rosa de Geografia, do IHGSC (Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina), considerada a melhor e mais significativa obra realizada em Santa Catarina na área de geografia.
E, agora, em 2021, recebemos da Câmara de Municipal de Florianópolis a moção de aplauso, aprovada por unanimidade e proposta pelo vereador Marquinhos.
Em que bibliotecas/entidades podem encontrá-lo para consulta?
Na Biblioteca Pública do Estado de Santa Catarina, na Biblioteca Municipal Professor Barreiros Filho, na Biblioteca Central da UFSC e nas setoriais de biologia e agronomia, nas escolas municipais de Florianópolis, na biblioteca do IHGSC e da ACL. Estamos realizando a doação a bibliotecas das escolas estaduais existentes em Florianópolis e de escolas particulares. Se alguma entidade pública que possua uma biblioteca desejar, poderá solicitar a doação de um exemplar pelo e-mail mar@floripa.com.br. Analisaremos a solicitação e, se for possível, enviaremos um exemplar.
Acreditas que a tua biblioteca especializada em orquídeas seja uma das maiores do Brasil?
Ao longo de 40 anos estudando as orquídeas, tive a oportunidade de ir adquirindo livros sobre o assunto e, hoje, contabilizamos mais de 1.500 exemplares. Acreditamos que seja uma das maiores e melhores bibliotecas sobre a família orquidácea na América Latina.

O geógrafo ainda guarda o primeiro livro sobre orquídeas que comprou quando criança e despertou sua paixão por estas flores – Foto: Divulgação/ND
As orquídeas nativas são protegidas por lei. De que forma?
Toda e qualquer espécie vegetal ou animal nativa do Brasil é protegida por lei. Para as orquídeas, não seria diferente. É proibida a retirada das nossas matas as espécies nativas, bem como, a sua comercialização e o seu cultivo. Há uma série de marcos jurídicos e normativos (inclusive internacionais), que protegem as nossas orquídeas nativas.
Houve algum cuidado ao divulgar informações sobre as orquídeas para evitar que colecionadores e vendedores as retirassem da natureza?
Este é um problema extremamente sério. Apesar de toda a legislação que não permite a retirada das orquídeas de nossas matas, ainda temos muitos, mas muitos irresponsáveis e criminosos ambientais que fazem essa prática. No caso do nosso livro, não divulgamos as coordenadas geográficas dos locais onde realizamos as pesquisas e, principalmente, onde encontramos as espécies.
Quanto tempo demora do nascimento à floração da orquídea?
É muito relativo, dependerá do gênero e da espécie. Mas, na média, para uma orquídea virar adulta e dar a sua primeira floração, são cerca de sete a 10 anos. Isto falando em orquídeas nativas. Já aquelas tratadas em laboratórios, hoje, algumas espécies têm sua primeira floração com dois anos de idade (são as orquídeas que encontramos em supermercados e floriculturas).
Até quanto pode custar uma orquídea de Florianópolis?
No que diz respeito a uma orquídea nativa, seja de Florianópolis ou outro local do Brasil, ela não deveria ter preço e nem ser colocada à venda, pois se estaria cometendo um crime ambiental. Já aquelas frutos de cruzamentos realizados pelo homem e cultivadas em laboratórios o preço pode variar entre R$ 20 e R$ 15.000.
Qual foi a última espécie descoberta?
Aqui em Florianópolis, em nossos estudos, foi a Brassavola flagellaris Barb. Rodr.

Brassavola flagellaris Barb. Rodr, a variedade mais nova de orquídea descoberta em Florianópolis – Foto: Marcelo Vieira Nascimento/Divulgação/ND
FONTE: NDMAIS
SERVIÇO:
O livro “Orquídeas Nativas de Florianópolis” custa R$ 250,00 (preço sujeito à confirmação)
Informações diretamente com Marcelo Nascimento pelo 48 99914-5928